Eu não sou quem você acha que eu sou

Tem aquela famigerada conversa de repressão social, né. Você precisa se vestir de acordo, fazer tal faculdade, usar aliança de compromisso, casar antes dos 30, ter filhos, ser delicada, bem falada, temperada e falar baixo, bem baixo.

Eu ainda sofro de mais uma auto-repressão. É auto porque não lembro de ter sofrido dos meus pais qualquer pressão nesse sentido. É algo que eu mesma criei: tenho necessidade de ser cordial o tempo todo. Ser agradável custe o que custar. E internamente confundo isso com me cercear.

Meu pai explica o meu agito e sonambulismo noturno como uma dificuldade de me comunicar durante o dia. Sou uma engolidora de sapos e, segundo ele, vou liberando-os durante o sono quando o subconsciente então toma as rédeas da situação.

A maioria das pessoas cai na minha simulação. Tem quem fale que comigo é viável discutir assuntos como política, tem a falsa impressão que sou cordata, quando na verdade preciso fazer um esforço descomunal para ser construtiva diante de tanta ideia tenebrosa que ouço. Dizem por aí que sou delicada. Já ouvi tantos elogios. Poucos percebem a fraude. Tem quem percebe e gentilmente me poupa da crítica.

Hoje eu acordei com vontade de me desmascarar.

A minha cordialidade não é natural, eu faço um esforço absurdo para ser gostada. Tudo em detrimento do que eu realmente penso.

Ouço ideias das quais discordo mas concordo com a cabeça. Às vezes porque acho que é um caso perdido e muitas vezes porque não quero destoar do ambiente. Rio de piadas que não acho graça. Faço cara de interessada em assuntos que não me provocam qualquer entusiasmo. Me vigio o tempo todo para não mandar as pessoas para vários lugares insalubres quando falam de política. Não me posiciono (muitas vezes por dúvida mesmo) para não gerar debate, embate. Não falo o que penso mas comumente acho tudo diferente do que se fala. Tenho vontade de rodar a baiana e colocar o dedo na cara das pessoas. Quero discordar veementemente e não consigo. Tem gente que quero estapear. Bem forte. Às vezes isso transparece. Estouro com os mais próximos com frequência. Eles pagam o pato da minha deficiência. No sono, transbordo constantemente. Acordo exausta, de tanto brigar as brigas não brigadas na vida real.

A irmã mais nova fala tudo o que pensa. Sem dó. Torcem o nariz pra ela. Tem a antipatia de bastante gente. Mas dorme a noite toda.

Aos poucos vejo progresso. Terapia em grupo, individual, familiar, Lacan, Froid, meditação (leia-se os 10 passos do aplicativo Mindfulness), leituras, tentativas e mais tentativas de auto conhecimento. Tenho falado menos à noite, mas continuo acordando trêmula no meio da madrugada.

Ter esse blog também ajuda. Leio meus textos antigos e às vezes não me reconheço. Ele me ajudou a me entender e a me aceitar mais. Acreditava que o maior desafio atual seria encontrar um novo recomeço profissional, dominar idiomas, fazer novas amizades e me estabelecer. Mas como normalmente é tudo diferente do que eu imagino, o mundo tratou de jogar na minha cara que o maior desafio era eu tratar de me aceitar. 

Talvez nesse processo todo eu me torne não tão agradável e meiga como talvez muitos gostam. Mas o gosto dessas pessoas por mim foi construído em cima de fraude. Faz-se mister desconstruí-la.

Juro que continuarei não estapeando pessoas, colocando o dedo na cara delas tampouco virar uma metralhadora de opinião. A única coisa que pretendo com tudo isso é ter uma boa noite inteira e serena de sono, com todos os sapos devidamente liberados a quem de direito, com respeito.

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