Todos os outros muros

Acordei lá no meu quarto do apê da Cayowaá, saí, abri a porta da sala e encontrei em cima do sofá o jornal do dia aberto na página com a lista dos aprovados na primeira fase do vestibular, meu nome circulado de caneta azul e três notas de cinquenta reais ao lado. Uma pra mim e as outras duas pros dois irmãos. A exigência era clara – gaste como quiser, não poupe um centavo. Ganhar cinquentão em pleno 1999, e ainda podendo esbanjar, era um acontecimento extraordinário em nossas vidas.

Eles disseram que era uma vitória de todos, não só minha. Não entendi absolutamente nada, evidentemente ressentida (puta) por não receber a bolada toda.

Dias atrás, estamos em 2017, me lembrei daquele momento quando participava, entre amigos, de um debate sobre um tema do noticiário brasileiro. Lembrei daquele dia porque talvez tenha sido justamente ali que tive meu primeiro contato com noções de grupo e seus desdobramentos.

Ao envolverem todos na conquista, indiretamente disseram que dentro do grupo foram criadas condições para que algo positivo acontecesse.

Quando fizeram com que todos se sentissem responsáveis e pertencentes a um projeto comum despertaram colaboração ao invés de competição – ideia conhecida e praticada nos meios corporativos, em técnicas de grupo, mas raramente desenvolvida nas relações humanas diárias.

Semana passada publicaram uma frase do Banksy nas redes – “A wall is a very big weapon”. Muros de concreto que pretendem afastar pessoas dos nossos territórios reais assim como muros virtuais que levantamos diariamente com atitudes que não envolvem, não integram, desconectam e intuitivamente afastam, por vezes criando abismos de difícil reparação.

Alheias e dissociadas de um processo, pessoas são movidas por uma energia totalmente diferente da energia existente entre pessoas integradas e valorizadas dentro de um contexto.

Fui entender há pouco que o dia do jornal me ensinou técnicas sofisticadas de RH corporativo e coaching. Se empresas investem tanto nessa área para impactar nos lucros, entendem que ter pessoas que se sentem partes importantes de um conjunto, e portanto colaboram ao invés de competir, é melhor pros negócios.

O insight de 2017 clareou a visão quanto à forma como agimos dentro de um grupo qualquer. Num processo ordinário de discussão sobre política é possível enxergar os impactos de uma abordagem que integra a todos e uma abordagem que expele. Uma floresce, a outra desvirtua. Uma está a serviço do projeto comum, a outra, do particular, ego.

Qualquer debate político tem (ou deveria ter) como objetivo discutirmos juntos novos caminhos e projetos benéficos ao todo, através do choque de ideias necessária e saudavelmente divergentes dentro do grupo, onde pudéssemos racionalmente questionar e rever nossas próprias visões quando colocadas em perspectiva.

Quando pessoas sentem-se incluídas no debate e sabem que suas ideias são respeitadas e ouvidas, que sua presença contribui para o processo, ímpetos iniciais de competição (comumente carregados de raiva) são transformados em esforço para criar algo novo em cima de acertos e erros, com foco num resultado que beneficia a todos. A disputa vira colaboração e aí que a magia acontece – evoluímos.

Não se trata de mágica, neutralizar a energia de certos comportamentos e transformá-la em força criadora é pura reação química.

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