Couves belgas e moralismos brasileiros

Dando continuidade à fase das conclusões comportamentais interculturais, época esta recheada de descobertas fantásticas como, por exemplo, a da existência da couve de Bruxelas em Bruxelas, a qual, de fato, se chama “couve de Bruxelas” – a despeito da ausência do pãozinho francês em plena França.

O tempo é de descobertas, algumas fantásticas, outras nem tanto. Tenho curtido esses insights, essas percepções de diferentes atitudes e analisá-las, compará-las, entendê-las.

A reflexão do momento é um pouco mais subjetiva que a da couve – no mundo todo, existem vários sites destinados às pessoas que procuram moradia ou companheiros de quarto. Precisando achar um lugar pra morar, com ou sem muito dinheiro pra gastar, querendo conhecer gente e culturas novas, esses sites ajudam a encontrar algo.

Sempre optei por dividir casa com mais pessoas e, portanto, me especializei na tarefa de procurar um teto, primeiro na França e depois na Bélgica.

Nos anúncios dos sites europeus, as pessoas que têm um quarto para oferecer em suas casas geralmente se apresentam, falam de si, de suas preferências de comida, de música, de lazer, se fumam, se bebem, se estudam, se trabalham, o que fazem no fim de semana.

Normalmente se vendem, com o intuito de atrair o maior número de interessados. Sem qualquer tipo de prévia exigência quanto ao candidato, o qual é tratado como a parte que deve fazer perguntas e ser criterioso quanto à oferta.

Pensando em continuar a dividir casa pelo Brasil quando voltar, pois afinal de contas é sempre uma experiência rica e uma opção financeiramente mais acessível (e neste momento eu sou uma mera estudante), comecei a passar os olhos nos anúncios.

Achei espantoso o que eu encontrei. Nos sites brasileiros, curiosamente, os anúncios são o oposto dos europeus: extremamente seletivos, receosos e discriminatórios. Me senti quase num processo seletivo para algum emprego.

Fiz uma seleção das maiores pérolas que encontrei:

“Apê pra dividir apenas com moças, de FINO TRATO, de BOA FAMILIA, que TRABALHEM, que sejam BEM EDUCADAS…”

Fiquei na dúvida do que poderia ser “fino trato”. Vou perguntar pra minha mãe se eu fui finamente tratada. Acho que minha família é boa sim, apesar de um tanto doida. Educada eu sou! Sei comer com vários talheres e que não devemos usá-los com outra finalidade senão a de levar a comida do prato até a boca. Também sei que não se fala “bom apetite” quando se está comendo na casa de alguém e que não devemos misturar a salada com o prato quente, nem “arroz feijão” com macarrão plus farofa, não é fino.

“Espaço para mulher que seja estudante ou trabalhadora heterossexual não fumante, que tenha compromisso diário para dividir quarto com outra mulher em apartamento na Vila Madalena, podendo ter acesso aos cômodos comuns da casa.”

Tirando a parte do “heterossexual”, o que dispensa comentários, é sempre bom saber que poderei ter acesso aos cômodos comuns da casa e não ter que ficar trancafiada no meu quarto. E, aliás, o que será que quer dizer “compromisso diário para dividir um quarto com outra mulher”? Eu não estou procurando um namorado (tem outros sites pra isso), somente mesmo uma pessoa pra dividir uma casa…

“ESTOU ALUGANDO UMA SUITE PARA MOÇAS SEM VICIOS. QUERO MOÇA QUE TRABALHE, FIQUE O MAXIMO DO SEU TEMPO FORA DE CASA,QUE VOLTE SÓ PRA DORMIR NÃO GOSTO DA CASA SUJA. AQUI É UM APARTAMENTO MUITO LIMPO MUITO PRÓXIMO O HOSPITAL DAS CLINICAS”.

Meu bom Deus! Será que precisa fazer o teste antidoping? Ou uma cartinha da mãe atestando que o candidato está em plenas condições já está bom?

“PESSOA DO SEXO FEMININO, QUE TRABALHE E ESTUDE, SEJA CORRETA, TRANQUILA E SEM VICIOS”

Trabalhadora E estudante, correta, tranquila e sem vícios?

“Pessoas que trabalhe fora ou estudantes de nível, com referencia,temos internete e TV cabo exelente local tranquilo, a 5 quarteirões do metro vila madalena….”

Será que curso técnico seria um estudo de nível?

“Procura-se lesbica respeitosa, organizada e de bem com a vida para ocupar quarto, dividir apartamento com casal gay (masculino). Apartamento fica próximo ao metro…”

REAL. Este anúncio é real! Não basta ser lésbica, tem que ser organizada, respeitosa e de bem com a vida.

“Estou procurando alguma pesoa na faixa do 23 ao 30 anos que queira dividir/morar em pinheiros em um apartamento mobiliado e que tenha condições de custear o apartamento”

Aí já é demais, até condições de custear o apartamento o indivíduo está exigindo.

E, na minha opinião, o vencedor:

“Apartamento para dividir apenas com pessoas de nível, que trabalhem, imóvel bem localizado, alto padrão e pra garantir o nível sócio econômico, o grupo será formado por seletos profissionais que trabalhem em empresas pela região”

Tenho certeza absoluta que a pessoa se enganou de site.

Fiquei bem surpresa com os tipos de ofertas que li. Com uns eu ria, com outros eu queria chorar, mas a sensação que me deu, no geral, foi de bastante estranhamento com a “altura da régua” dos anúncios brasileiros.

Num primeiro momento pensei que isso poderia ser reflexo do aspecto da violência no pais, o que faz com que as pessoas, receosas, fiquem mais seletivas.

Mas, depois de um certo tempo, me dei conta que a questão tem outra dimensão: somos classistas e moralistas. Possuímos outros critérios, um pouco duvidosos, pra medir o valor das pessoas.

O que será que vão pensar de mim se eu estiver morando com um cara? que mal conheço? que não trabalhe? que não tenha estudo? que seja homossexual? que ganhe um salário mínimo? que não tenha um emprego numa boa empresa? que não tenha estudado nas melhores escolas? que não tenha carro? que não seja de fino trato?

De onde vem todo esse complexo? Ou melhor, em que parte da nossa história nasceu esse tipo de sentimento? Por que temos que provar o tempo todo que somos bem nascidos, que temos dinheiro e origens nobres?

Total
0
Shares
Related Posts