Um pouco sobre a minha mãe

Ela nunca foi feminista propriamente dita, mas ao seu modo foi a pessoa que mais me empoderou e emancipou. Dizia era para eu ‘experimentar bastante’ antes de casar, se assim eu desejasse, e que o único compromisso que eu tinha era comigo mesma. Esse é o mantra dela.

Casou com um moço cuja casa da família só os homens se sentavam à mesa para fazer refeições, enquanto as mulheres fritavam os bifes, os serviam e sentavam na sala. Um dia, como se bem fosse igual àqueles outros humanos, fez seu prato e se sentou à mesa junto deles.

Ela diz que sou justiceira, mas como não ser tendo ela como guia. Briguenta demais às vezes, todo conflito vale a pena. Sou igual, estamos aprendendo. Ela é uma potência. Me defende e me protege há 37 anos, até do que não representa qualquer perigo.

É a pessoa que mais respeita meu espaço. Não pergunta quando vou ter e se quero ter filhos, contrariando noventa e nove por cento do meu entorno e das expectativas sobre a minha vida íntima. Para uma mulher nascida nos anos 50, de Conchas, e cercada de uma cultura essencialmente machista, isso é incomum. Se ela tem alguma expectativa (e provavelmente tem), nunca expressou. Deve fazer comigo o que gostaria que tivessem feito com ela.

Não quis saber sobre meus términos de namoro e nunca se apegou a qualquer relacionamento meu. Se ela sentiu algum apego, me poupou e guardou pra ela. Me pegou pelo braço em 1998, quando disse que queria ter uma experiência fora do Brasil, e saiu por São Paulo de agência em agência, até conseguir um programa de intercâmbio do jeito que eu queria. O dólar tinha dobrado, não era assim fácil, tinham mais dois pra alimentar e educar. A única preocupação era com o frio e, por causa disso, entre Alabama e Nova Iorque, tive que ir pro primeiro. Isso não perdoo.

Ela veio de Conchas, estudou na primeira turma de Direito da FMU. Privilegiada, pais e avós deram carro, compraram apê e mandaram ela pra São Paulo. É pra frente, culta e inteligente. Leitora, observadora, curiosa, charmosa. Sabe todas as capitais do mundo, detesta shopping center e não pode sentir cheiro de frango. 

Mimada, não gosta de ser contrariada. Tem três filhos iguais, empoderadinhos por ela. Deve ser difícil ter que aturar 3 espelhos.

Ela nem deve saber o quanto, mas me emocionou bastante nas últimas eleições de 2018, quando o mundo em que ela vive era todo de uma opinião, e eu sabia que seria difícil não ser levada pela onda. Mas ela não deixou suas relações serem mais poderosas que as suas ideias. Entendo que isso é difícil para uma mulher como ela, vinda do lugar de onde veio e que aprendeu que ter opinião divergente é ser inadequada.

Tudo que eu conquisto hoje eu sei que tem lastro no que ela construiu ao meu redor. Com todas as falhas e brigas e complicações. Mas aí ela me mandava pra terapia e me dava amor e ía dormir abraçada comigo. Essa rede inabalável, muitas vezes invisível, tem uma força que a gente demora a entender.

É nela que eu penso toda vez que me sinto realizada e podendo seguir pelo caminho que escolhi. Essa pilha que ela me colocou – ter escolha e ouvir o coração. Obrigada por isso, manhê. 

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