Sobre a minha nova casa

Quando fui morar com o Dani ele já tinha o espaço dele. Tudo estava no devido lugar e a alma já estava bem estabelecida ali naquele lar. Só cheguei com minhas malas de roupas e o máximo de movimento que fizemos foi trocar os lugares no guarda roupa e colocar um apetrecho ali e aqui.

Depois disso, a gente viveu de Airbnb em Airbnb e dividindo casas com outras pessoas na nossa jornada meio cigana e no processo de estabelecimento em alguma nova cidade que a gente nem sabia ainda qual seria.

Não ver o horizonte angustia e desconforta. Mas a gente se acostumou a viver na inconstância, e acho que conseguimos entender a riqueza de aprendizados que existe nos momentos que estão totalmente fora do controle. Um deles, crucial, é que não precisamos de muito para viver. Ter leveza foi o fator fundamental para que conseguíssemos nos movimentar de lá pra cá e ter experiências inesquecíveis.

Saímos do Brasil para aprender e crescer de acordo com o que fazia sentido no nosso contexto. Muito aprendizado a gente nem sabia que existia ali pra ser adquirido. A gente já se acha meio pronto quando a perspectiva é apenas uma. Nos percebemos aquém (daquilo que gostaríamos de nos tornar) quando mudamos a perspectiva. O aprendizado a que me refiro fazia e faz muito sentido no nosso projeto abstrato de futuro, mas não era possível entender a medida deles.

Novas cidades e contextos, cujos padrões limitantes e castradores ainda não surtem efeitos em mim, me permitem experimentar mais. Mas para além desse fator de ignorância criativa e/ou libertadora, Londres é um lugar muito frutífero para experimentar e implementar novos hábitos e atitudes, além de incentivar simplicidade em muitos aspectos do cotidiano. A indiferença que não dá bom dia no elevador e não está nem ai se sou brasileira, paraguaia ou tcheca, é a mesma que não se importa com a minha roupa que não combina, com meu sotaque carregado ou com minha ideia de negócio ou projeto de vida fora do padrão.

Parte desse aprendizado está se traduzindo agora, neste novo contexto, quando a gente tem nossa primeira casa juntos para montar do zero. O ímpeto automático é imitar tudo o que dizem ser necessário para montar uma casa. Tudo o que tem em toda casa que se preze.

Reparo ao redor e vejo que esse é um momento de escolhas que vão além do encaixar um sofá, uma mesa e fazer match nas paletas. Montar uma casa é um ato político. O que eu sou, no que acredito, meus valores, os aprendizados e heranças deveriam então ser traduzidos aqui, nesta sala, cozinha, hall, quarto, banheiro e varanda deste apartamento que é só nosso há quatro dias.

Penso na casa dos meus pais. No bom gosto da mãe, na praticidade e criatividade do pai, penso na casinha com Dani lá na Alves, que era o melhor canto do planeta, mas é porque tinha alma. Cada inspiração de cada casinha de pessoas desconhecidas onde a gente viveu por duas semanas ou por meses.

É um momento importante para traduzir os aprendizados. Com o que precisamos viver e o que não acrescenta, o que pesa, limita? O que é herança desnecessária – separar o joio do trigo. Black Friday é bom, é maravilhoso às vezes, mas pode ser muito pobre. De espírito, não de dinheiros. O aprendizado mostrou que rico é o que é escolhido com paz, tempo das coisas, escuta. É particular ao movimento de cada um.

Espaço para encontros e espaço para usos que funcionam. Objetos reutilizados de outras formas, restaurados, tratados com respeito. A vida que entendo que deve ser vivida pede mais respeito, menos desperdício. Não só por causa do planeta adoecendo, mas pela melhora da gente mesmo, da forma como nos relacionamos com objetos, roupa, comida, pessoas.

Ter tempo de maturar ideias, segurar a ansiedade. Processos são mais importantes que resultados, a gente já sabe mas é tão difícil. A vontade de viver imediatamente tudo o que está no ideal, no instagram, é muito sedutora, ainda mais com um mundo viabilizando o tudo agora, Black Fridays e imediatismos a distância de um click e next day delivery.

É uma tentação ir “tickando” a checklist. É difícil resistir e se escutar. Trazer pro novo lar mais do que diz respeito a mim, a gente. Escutar com carinho a esse emaranhado de vontades, heranças, personalidades e aprendizados, por mais que fuja ao ideal e destoe do padrão. Oxalá destoe.

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