Todo ano tiro um tênis zero

Não é fácil largar mão do carro morando em São Paulo. Apesar dessa tendência estar se tornando cool entre alguns paulistanos, não ter um carro causou estranheza e uma quebra de paradigmas maior do que eu imaginava.

Sem querer desmerecer as óbvias vantagens que um carro proporciona, é difícil entender como uma máquina desproporcionalmente grande (levando-se em conta o tamanho da maioria das vias, o número de habitantes da Grande São Paulo e o número de passageiros que cada carro comporta em geral), individual, poluidora e causadora de tantos acidentes, pode ainda estar na crista da onda.

O resultado do tempo vivendo em grandes cidades sem ser proprietária de um carro foi, curiosamente, o alcance de uma liberdade jamais experimentada.

Lembro de fazer as contas da grana que ia com a minha caranga. IPVA, inspeções, emplacamento, multas, seguro, revisões, estacionamentos. Dava pra fazer uma viagem bacana a mais por ano.

Sem falar da perda de liberdade quando se trata um automóvel como a extensão do próprio corpo – 2 horas com o bunda colada no banco para fazer um trajeto que levaria 25 minutos, sendo que era possível pegar um transporte público ou mesmo fazer a pé.

Depois que comecei a usar as penas para percorrer distâncias possíveis de serem feitas a pé, a descoberta de uma nova cidade foi surpreendente – andar a pé possibilita conhecer os becos, cores, artes, porões, lojinhas e vilas escondidas, urbanismo, vistas, pessoas. Possibilita parar e olhar.

Não se trata só de descobrir novos lugares. Os melhores insights, sobre pessoas, ideias, textos, vida, acontecem durante uma dessas caminhadas cidade afora, olhando coisas diferentes, experimentando uma nova forma de olhar as coisas.

E antes que me acusem, sim, sou privilegiada por ter facilidades do metrô a alguns passos de casa, de morar no bairro central e de não depender exclusivamente de transporte público. E é precisamente por isso que não tenho desculpa alguma para não adotar um estilo de vida menos apegada ao carro.

Tenho notado uma tendência entre amigos e conhecidos em abandonar a dependência vital que tinham com o carro e utilizar meios alternativos, mesmo que só aos finais de semana. É um movimento legal de se ver, seja pelo trânsito que chegou a um ponto insustentável, seja pela saúde mental ou pela vontade de movimentar-se um pouco mais, ter mais tempo para fazer outras coisas na vida, experimentar novos hábitos.

Entendo que este não é um movimento fácil e que não é todo mundo que consegue adaptá-lo ao seu dia a dia, ainda assim acho válido compartilhar a melhora que não ter um carro ou a não dependência vital a um carro trouxe para a minha vida.

É por isso que todo ano tiro um tênis zero, e exibo ele cidade adentro.

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