Existe progresso se saio às ruas protestar contra o sistema e no dia seguinte faço vistas grossas a pequenos privilégios porque sou filho, neto, sobrinho de alguém com poderes?
Existe progresso quando vou às ruas com plaquinhas pedindo que se dê fim ao mau uso do bem público e no dia seguinte pego o carro rumo a Maresias e ando pelo acostamento por causa do trânsito na rodovia?
Existe mudança quando brado pela melhoria de condições na cidade e diariamente deixo de me atentar ao ciclista, ao pedestre, às vagas de idoso, de deficiente, se jogo bituca de cigarro cidade afora?
Existe progresso quando manifesto, nas ruas, indignação com a corrupção no país e no dia seguinte, em meu escritório, ofereço propina para obter qualquer tipo de vantagem “pelo bem do cliente” ou não ligo quando o fazem?
Existe progresso quando saio indignada pedindo a cassação de mandatos de políticos e não me importo em comprar carteira de habilitação ou de estudante?
Existe alguma mudança quando clamo por respeito daqueles que me representam quando acho um absurdo que a minha empregada doméstica tenha carteira assinada e seja equiparada a qualquer outro trabalhador?
Existe alguma chance de progresso se grito para os quatro cantos que falta educação e, ao mesmo tempo, ensino ao meu filho que é justificável que ele faça algo errado conquanto que ninguém veja ou que todo mundo faça igual?
Existe esperança enquanto continuarmos a achar que existe de fato um abismo entre a população e aqueles que as representa?
É complicado protestar contra o próprio espelho.