Não sou racista, só acho complicado que minha filha case com aquele moreninho

“Dono de lotérica é acusado de racismo” foi uma das notícias que li hoje de manhã e o xingamento escolhido teria sido “macaca preta”, direcionado a uma mulher que estava ali pra sacar seu FGTS. Pessoas próximas a mim fazem isso todo dia, de diversas formas e tons, mas nunca tiveram seus rostos estampados na página do UOL.

É difícil enxergar o Brasil como ele realmente é – apesar de miscigenado, de a população negra ser superior à não negra, não somos bem resolvidos com a questão racial.

Há um ano, quando escolhia “discriminação positiva” como tema de trabalho de conclusão do mestrado (aqui no Brasil, cotas raciais são o exemplo mais popular), já havia desenhado o curso e conclusão do tema na minha – é uma forma de preconceito às avessas, no Brasil não existe racismo como nos Estados Unidos e a questão é social e não racial.

Entendia que tais ações, ao distinguir pessoas pela cor da pele, fomentariam ainda mais o racismo, afrontaria o Estado Democrático de Direito, os bons costumes, a moralidade, a Igreja Católica, o cidadão de bem, enfim uma agressão à nossa sociedade humana, equilibrada e justa.

Aos poucos fui descobrindo, principalmente lendo contato com experiências pessoas que foram diretamente beneficiadas por estas medidas, o que realmente elas significavam, na prática, na realidade.

Após lei áurea, os escravos não saíram livres por aí, usufruindo de direitos plenos de cidadãos, entrando no mercado de trabalho, tendo de volta suas vidas, sua dignidade, usufruindo de programas recompensadores que os ajudassem a imergir na sociedade, os desmistificassem, os desestigmatizassem.

O Brasil é um país com maioria negra e ainda assim nossas salas de aula, mercado de trabalho, bairros, condomínios, clubes são eminentemente brancos. Somos velada e altamente racistas. Discriminamos o tempo inteiro, com querer ou sem querer. Então por que é tão revoltante a implementação de cotas, é tão inaceitável que se discrimine pela cor, agora de uma forma a se corrigir os erros do passado, as marcas e consequências da escravidão?

Só é aceitável quando a discriminação vem de dentro de casa, quando a piada fica entre os amigos, quando se reprova que o filho se relacione com um negro. Aí sim, não faz mal discriminar. Porque é normal, e “inofensivo”.

As cotas raciais não são a única solução tampouco são medidas agradáveis. Mas é como escolher o menor de dois males. O que não dá é tratar como igual o cidadão que desde que nasceu é limado de oportunidade por causa da sua cor.

Tiramos a possibilidade de negros de competirem em pé de igualdade com o restante da população não negra. E, em que pese não haver qualquer pesquisa honesta que comprove a relação entre capacidade intelectual e cor de pele, a sociedade pode agora devolver a estes cidadãos, através das cotas raciais, as oportunidades que não tiveram acesso por causa da cor de sua pele e remover as barreiras impostas a elas pelo mesmo motivo.

Precisamos que nossos filhos e netos não achem estranho um negro sentado ao seu lado na escola, nem frequentando seu clube, nem morando no seu bairro. É nesse movimento que acredito – tirar do inconsciente coletivo essa herança maldita, até que possamos nunca mais falar de cotas para negro na Universidade.

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