Olhar burguês às manifestações

Não vou falar sobre 20 centavos nem sobre os excessos dos policiais e dos manifestantes.
Não vou falar da legitimidade das pessoas em manifestar, nem da legitimidade da própria manifestação – se iniciado com escusos interesses partidários ou políticos, ficou claro que independentemente da causa originaria, o movimento já ficou maior que isso.

Vou falar de mim.

Não sei se por causa das influências da minha família, principalmente as do meu pai, um cara não convencional que sempre tentou me fazer refletir sobre as coisas todas, ou pelo tempo vivido na França, comecei a sentir, meio tardiamente é verdade, uma crescente necessidade de ir conhecer realidades além daquela que a classe social na qual me insiro insistia em me mostrar – quentinha, confortável, consistente em raciocínios, ideais, vontades, estilo de vida e gostos todos prontinhos para serem vividos por mim.

(Falo da experiência na França pois foi lá onde entendi o que era ser cidadã de fato, onde manifestação popular é um direito intrínseco a cada pessoa e valorizado pois, por mais que infrutífera, é o canal que propicia mobilização, reação, mudança).

A vontade de fugir às regras que a nossa classe média paulistana impõe a cada dia é legítima. Apesar de eu ser bem de vida.

Tô falando da fuga daquele comportamento do bom cidadão standard, aquele que vira um é inconformado com a carga tributária e com “tudo o que está aí”, mas ao se deparar com uma manifestação, pensa: “esses baderneiros”, “esses jovens não valem 20 centavos”, “esses bugios revoltados” (in verbis).

Por muito tempo questionei a autenticidade de quem levantava bandeiras sociais, engajava novas ideias contra o estado das coisas e frequentava os botecos da Vila Madalena – onde não se deixa menos de 100 reais por uma dúzia de bolinhos com chope. Mas na verdade me dei conta de que o que é realmente assustador são aqueles que vão contra qualquer movimento que vá bagunçar os seus mundos, que vá atrapalhar os seus percursos de volta pra casa no fim do dia.

No fim das contas acho que me dei conta que, entre prefiro ser tachada de crítica (como se isso fosse mesmo uma ofensa), “ativistinha” ou idealista a engrossar a massa acomodada que não consegue perceber que violência de verdade é o que fazem com os professores, que vandalismo é o que fazem com o nosso dinheiro, com a nossa saúde, com a nossa cidade todos os dias, mas de uma forma “pacífica”, sem quebrar nada.

Prefiro que as coisas saiam do controle, que estourem, quebrem-se vidros, haja confronto, do que continuar a viver sendo vítima passiva de um sistema doentio, que virou o normal entre a gente.

Absolutamente prefiro ser mais uma “ilegítima” com meu iPhone nas ruas, do que dentro de um carro blindado, achando que ser cidadão se restringe a ir às urnas e pagar impostos.

Não são mesmo 20 centavos que estão em jogo, mas sim uma forma de pensar – acomodada -, que se sedimentou entre as pessoas e da qual quero estar bem longe.

Fico ansiosa por, daqui a 20 anos, saber que foram estes mesmos 20 centavos e estes baderneiros que fizeram alguma, mesmo que mínima, diferença.

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