Malandragem sua, minha, nossa

Parei pra comer um pão de queijo na Rodoviária do Rio de Janeiro de 2,70 reais. Paguei, e então a atendente perguntou seu eu queria uma nota fiscal com um valor maior. Na hora eu não entendi muito bem – talvez pela surpresa ou muito provavelmente pela minha lentidão cognitiva –, mas passados alguns instantes me dei conta da tentativa de corrupção.

Este momento quase que insignificante poderia ter passado batido, mas ficou decantando por muito tempo na minha cabeça.

Sem espanto para ninguém, crescemos achando aceitável dar propina a um policial – é considerado esperto, digno de vanglória até, por conseguirmos encontrar uma manobra para escapar de uma multa.

Anunciamos com regojizo que molhamos a mão do garçom na festa de casamento ou na formatura do namorado, e que fomos recompensados com abundância de drinks de causar inveja à mesa ao lado.

Achamos ok normal molhar a mão do oficial de justiça para que ele cumpra a diligência de uma forma tal, ou do cara da Receita Federal pra que ele tire nosso requerimento de CNPJ da vala comum.

Não é incomum ouvir, no mundo jurídico, estórias envolvendo ações judiciais que já tinham juiz e vara pré determinados. E quantos alvarás comprados para que empreendimentos comecem a funcionar?

Eu e a minha bolha não nos conformamos pagar o preço cheio do Lollapalloza ou da sala de cinema bacana do Kinoplex. Fazemos carteiras mandraques de estudante para nos desvencilharmos daqueles reais a mais – como se essa grana realmente nos fizesse mais pobres e com menos privilégios.

Quem não convive com pessoas super de bem que fazem manobras para não pagar impostos? Tem aquele parente que compra a habilitação, o vizinho que adultera o combustível que vende, o empresário que coloca água no shoyu. Tem o amigo que emplacou o carrão no Paraná por causa do IPVA.

Estamos habituados com colegas “filhos de alguém” dando carteirada em baladas e restaurantes, com taxistas fazendo o caminho mais longo. Andamos pelo acostamento quando voltamos da praia.

Crescemos aprendendo a ser espertalhões e a termos sempre uma desculpa na ponta da língua para darmos quando nos surpreendem molhando a mão de policial, de oficial de justiça, sonegando, fazendo carteirinhas falsas.

Moralismos a parte – afinal me sinto bastante incluída nessa cultura do jeitinho, da malandragem -, mas é de fato de se surpreender quando vemos diariamente nos jornais notícias sobre escândalos na política envolvendo espertalhões, nepotistas, safados, corruptos?

Será que vivenciamos tantos casos de corrupção e malandragem na política por acaso? Talvez estejamos construindo tudo isso paulatinamente, persistentemente, há décadas. Somos responsáveis pela cultura que cultivamos e que, muitas vezes, incentivamos.

E assim seguimos, como se não fosse com a gente.

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