Rolezinho pessoal

Uma amiga pediu um texto sobre rolezinhos. Tarefa nada fácil, já que as reduções confusas a la direta x esquerda, capitalismo x socialismo, Veja x Carta Capital, bem x mal já tomaram conta do debate.

Para tentar fugir dos duelos acima, vou contar sobre a minha experiência pessoal com rolezinhos, porque eu também sou dessas de fazer rolê.

Em meados de 1999, inaugurou um grande shopping center na rua do meu colégio, na Avenida Higienópolis, quando eu estava no último ano do Ensino Médio. Entramos todos em êxtase. Como duas vezes na semana ficava no colégio em período integral, poderia ir almoçar no shopping, cabular as aulas de laboratório, ir ao cinema, fazer compras, me divertir a valer.

Naquela época não existiam redes sociais para combinarmos os nossos passeios, mas mesmo assim havia dias em que todo o 2º e o 3º colegiais partiam em bando para o shopping assim que a aula terminava.

Ficava um pouco de tumulto no shopping quando aparecíamos, verdade. Como se pode imaginar de um grupo grande de adolescentes de 15/16/17 anos, tudo o que não havia era discrição, comportamento exemplar e lá muita educação. Como bons adolescentes, éramos pessoas alucinadas, loucas para nos divertir às custas da paz alheia, muito embora alguns pais acreditassem que seus filhotes fossem diferenciados.

Nossos passeios pelo shopping nunca tiveram toda essa atenção da cidade de São Paulo. Nosso rolê não saiu nos jornais e nem ficou famoso, muito embora se assemelhasse com os rolezinhos famosos de hoje, com a diferença de que não cantávamos funk ostentação tampouco queríamos imergir no mundo do shopping center, afinal sempre pertencemos a ele.

Bastava olharem para os nossos uniformes para perceberem que vínhamos do colégio vizinho, ou seja, tínhamos berço, logo, não iríamos roubar ou fazer arrastões. Além do uniforme, me lembro também que a maioria crassa do grupo que invadia o shopping era branca. Ou seja, não havia com o que se preocupar.

Quando éramos mais de 100 dentro do shopping, excessos aconteciam, as zoeiras saíam do limite. Sempre havia quem ia além na brincadeira e barbarizava. Porém, estávamos apenas “desfrutando da vida”, de acordo com o que nossos pais sempre incentivaram. Alguns eram mais ousados e indisciplinados sim, mas só isso, indisciplinados, e não criminosos como essa galera do “rolezinho”, que vem da periferia, logo, coisa diferente não se pode esperar.

O nosso passeio não era reprimido nem por nossos pais, nem por ninguém. Ninguém falava que ao invés de zoar pelo shopping, deveríamos estar trabalhando, ou carpindo uma roça inteira, ou então estudando. Éramos jovens e deveríamos viver a adolescência full time, sem qualquer culpa.

Escrevendo esse texto, @AnaCicconi, a dúvida que me vem é até quando acharemos que os shopping centers, os carros blindados, os clubes, vão nos poupar de conviver, ou simplesmente encarar as adversidades da cidade ao ponto de não mais termos um surto quando pessoas “diferentes” se sentarem na mesa ao lado do restaurante que frequentamos, estudarem com nossos filhos, frequentarem a mesma loja e aparecerem no nosso shopping center?

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